sábado, 23 de junho de 2007

TRÊS MARIAS...





















"
O velho Cessna cortava os céus.

Embaixo, o rio seco
estava salpicado de ilhotas.

De repente a pressão do óleo
começou a baixar
e o piloto resolveu pousar
no primeiro lugar que aparecesse.

E este lugar surgiu
sob a forma de uma ilha
de tamanho considerável, que,
imponentemente e
sobrepujando todas as outras,
era o lugar ideal para um pouso.

As rodas do Cessna
tocaram suavemente o solo arenoso,
num pouso perfeito.

A pane foi sanada
com a colocação do óleo que,
previdentemente, existia no avião
para situações de tal natureza.

Antes de reiniciar a viagem,
o piloto examinou aquele lugar.

A ilha, como as demais que a cercavam,
só aparecia na época da seca e,
em situação normal,
era parte do leito do Araguaia.

Lugar belíssimo
de uma areia alva e fina,
cercado por águas barrentas
e coberto com pedrinhas multicores.

O piloto decolou,
levando consigo dez pedrinhas,
escolhidas a dedo,
que teriam finalidade dupla:
seriam recordação
daquele lugar fabuloso
e excelente presente para sua filhinha.

Assim, a ilha ficou para trás;
agora só uma coisa realmente interessava,
a pressão do óleo,
que deveria permanecer normal
até a próxima etapa da rota.

O tempo passou e um tenente
continuava vivendo a sua vida
e uma garota loura
juntara à sua coleção de bonecas
um punhado de pedrinhas.

A ilha fora esquecida
até que certo dia,
um joalheiro famoso, ao visitar o oficial,
teve a sua atenção despertada para as pedrinhas,
que no momento serviam de peças
num jogo de três-marias

.- Tenente, onde o senhor encontrou estes cascalhos?

Essa pergunta
saiu dos lábios do visitante
numa forma de súplica
e intensa curiosidade.

O tenente explicou então
a sua rápida permanência na ilha:

- Pois saiba, concluiu o joalheiro,
que essas pedras são pedras preciosas!

E, separando uma menor,
preta, brilhante e luzidia, disse:

- Isto é satélite de diamante;
sua filha brinca de três-marias
com uma autêntica fortuna.

Não é preciso dizer
o que se passou com aquele oficial,
nem afirmar que, a partir de então,
ele foi o mais constante piloto daquela rota.

O destino colocou-lhe nas mãos
uma fortuna imensa;

durante uma fração de tempo
ele teve aos seus pés
milhares e milhares de pedras preciosas
e foi um autêntico Ali Babá
na caverna dos quarenta ladrões.

Talvez tenha sido o homem
mais rico da terra
naquele quarto de hora
em que permaneceu na ilha!

Mas o seu garimpo,
aquele tesouro imenso, e a sua ilha
existiam agora apenas na imaginação.

O Araguaia sepultara para sempre aquele lugar
e nunca mais foi possível localizá-lo.

Todos nós, como aquele piloto,
encontraremos,
se já não encontramos,
uma ilha no vôo de nossas vidas.

Ela conterá também
um rico garimpo,
o garimpo do amor,
e talvez seja mais preciosa
do que a ilha encontrada
no Araguaia
e muitas vezes,
como aquele piloto,
pousaremos despreocupados,
conheceremos a ilha,
que poderá ter
o nome doce de alguém,
poderá denominar-se
juventude,
ou talvez seja mesmo
uma ilha perdida
nas praias do nordeste.

Mas, se a ilusão e a ânsia
por sensações novas
nos fizerem decolar,
sem ao menos procurarmos
guardar o local onde estivemos
ou deixar nele uma placa com os dizeres:

"Esta ilha é minha"!!!!

E assim, levaremos
somente algumas pedras preciosas,
sob a forma de recordações
de um beijo,
de um carinho,
de um mar verde
e do vento,
apagando na areia
os nomes escritos com o coração.

E quando um joalheiro
famoso, conhecido
como o Senhor-Tempo,
nos disser que perdemos um garimpo,
voltaremos atrás,
como aquele oficial,
mas será tarde,
porque,
como o Araguaia,
o passado terá sepultado a nossa ilha.

Ficarão apenas,
como lembranças,
algumas pedras chamadas:

SAUDADES
de um nome,
de um carinho,
de um dia
de uma voz no telefone
de um e-mail
de uma noite
de uma lua cheia
de um riso
de uma mensagem de bom dia...


é isso...
e por isso
a ligeira certeza...

pois
conheço muito de pedras
daquelas com as quais trabalhei mais de 8 anos em Belo Horizonte
e de todas as outras que encontrei pelos caminhos

por isso
não posso
perder a oportunidade
sei já
o que trazes
no íntimo

dona Moça...

em junho

2oo7
antoniocarlos
:)





SOBRE DEUSES,PÁSSAROS & GAIOLAS




















"
Eu não tenho religião.

Não vou a igrejas, não participo de rituais, não acredito nos seus dogmas.

Preciso não ter religião para amar a Deus sem medo, com alegria e, principalmente, sem nada pedir.

Não tenho religião porque não concordo com as coisas que elas dizem de Deus.

Deus é um Grande Mistério.

Está além das palavras.

Diante do Grande Mistério a gente emudece.

Fica em silêncio.

Discordo a partir do pronome "ele".

Deus "ele", masculino?

Onde foi que aprenderam sobre o sexo de Deus?

Deus tem sexo?

Se tem sexo, por que não ela, Deus mulher?

Como a mulher do Cântico dos Cânticos?

A Igreja Católica não conhece a mulher.

Conhece apenas a "mãe" que foi mãe sem ter sido mulher.

Deus: por que não uma flor, a mais perfumada?

Por que não um mar sem fim onde a vida navega?

Místicos houve que disseram que Deus é uma criança que nos convida a brincar...

Mas pode ser também que Deus seja música, como pensaram os místicos pitagóricos.

Ter uma religião é falar as palavras sagradas daquela religião e acreditar nelas.

As religiões se distinguem e se separam: pelas diferenças das palavras que usam para se referir ao sagrado.

Se elas nada falassem, se houvesse apenas o silêncio diante do Grande Mistério, a Babel das religiões não existiria.

Diante do Grande Mistério apenas uma palavra é permitida, a palavra poética, porque a poesia não o diz mas apenas aponta para ele.

O grande Mistério está além das palavras.

Se tenho uma religião ela se chama poesia.

Por isso, amo a Cecília Meireles, sacerdotisa profana, que quando queria se referir a Deus falava sobre um mar sem fim, misterioso e selvagem.

Quem em silêncio contempla o mar sem fim ouve vozes em meio ao barulho das ondas.

Também Fernando Pessoa sabia disso.

Mas, prestando bem atenção, é possível ver, a voar sobre o mar sem fim, um pequeno pássaro que canta:

"Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve.

E a cascata aérea de sua garganta: mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se deslizar seu canto, mais leve..."

Os poetas escrevem em transe: não sabem sobre que estão escrevendo.

Faz muitos anos, escrevi um livro para minha filha.

Ela tinha 4 anos.

Eu iria fazer uma demorada viagem pelo exterior e ela ficou com medo de que eu morresse e não voltasse.

Apareceu-me, então, uma estória,

A menina e o pássaro encantado.

Resumida, era assim:

era uma vez uma menina que amava um pássaro encantado que sempre a visitava e lhe contava estórias, o pássaro a fazia imensamente feliz.

Mas sempre chegava um momento quando o pássaro dizia:

"Tenho de ir".

A menina chorava porque amava o pássaro e não queria que ele partisse.

"Menina", disse-lhe o pássaro, "aprenda o que vou lhe ensinar: eu só sou encantado por causa da ausência.

É na ausência que a saudade vive.

E a saudade é um perfume que torna encantados a todos os que o sentem.

Quem tem saudades está amando.

Tenho de partir para que a saudade exista e para que eu continue a
amá-la, e você continue a me amar..."

E partia.

A menina, sofrendo a dor da saudade, maquinou um plano: quando o pássaro voltou e lhe contou estórias e foi dormir, ela o prendeu numa gaiola de prata dizendo:

"Agora ele será meu para sempre".

Mas não foi isso que aconteceu.

O pássaro, sem poder voar, perdeu as cores, perdeu o brilho, perdeu a alegria, não mais tinha estórias para contar.

E o amor acabou.

Levou tempo para que a menina percebesse que ela não amava aquele pássaro engaiolado.

O pássaro que ela amava era o pássaro que voava livre e voltava
quando queria.

E ela soltou o pássaro que voou para longe.

A estória termina na ausência do pássaro e a menina se enfeitando para a sua volta.

Minha intenção, ao escrever esta estória, era simples: consolar a minha filha.

Mas quando foi publicada ganhou um sentido que não estava nas minhas intenções: começou a ser usada em terapia, com casais possuídos pela ilusão de que, engaiolado, o amor seria posse eterna...

Desde então passei a presentear noivos com uma gaiola da qual eu arrancava a porta.

Mas, passado algum tempo, uma pessoa me disse:

"Que linda estória você escreveu sobre Deus!"

"Sobre Deus?", eu perguntei sem entender.

"Sim", ela me respondeu.

"O Pássaro Encantado não é Deus?

E as gaiolas não são as religiões nas quais os homens tentam aprisioná-lo?"

Aprendi, então, da minha própria estória, algo que não sabia:

Deus como um Pássaro Encantado que me conta estórias.

Amo o Pássaro.

Odeio as gaiolas.

O Pássaro Encantado: não pousa em galhos para cantar.

Não é possível fotografá-lo.

Canta enquanto voa.

Dele, o que temos é apenas a sua leve sombra voante e a
cascata aérea de sua garganta...

Quando ouço o seu canto, ele já passou.

Só é possível vê-lo em seu vôo, por trás.

Vai-se o Pássaro.

Fica a memória do seu canto.

Um pássaro voando é um pássaro livre.

Não serve para nada.

Impossível manipulá-lo, usá-lo, controlá-lo.

Pássaro inútil.

E esse é, precisamente, o seu segredo: a sua inutilidade: ele está além das maquinações dos homens.

Sua única dádiva é o seu canto.

Só faz um milagre, um único milagre: quando, chorando, lhe peço "Passa de mim esse cálice", ele canta e o seu canto transforma a minha tristeza em beleza.

Por isso eu nada lhe peço.

Sei que ele não atende a pedidos.

O seu canto me basta: ao ouvi-lo transformo-me em pássaro.

E vôo com ele...

Mas aí vêm os homens com as suas arapucas e gaiolas chamadas religiões.

E cada uma delas diz haver conseguido prender o Pássaro Encantado em gaiolas de palavras, de pedra, de ritos e magia.

E cada uma delas afirma que o seu pássaro engaiolado é o único Pássaro Encantado verdadeiro...

Por que prenderam o Pássaro?

Porque o seu canto não lhes bastava.

Não lhes bastava a beleza.

Na verdade, não o amavam.

O que os homens desejam não é a beleza de Deus.

O que eles desejam é manipular o seu poder.

O que eles querem é o milagre.

O canto do pássaro poderia lhes dar asas para voar.

Mas não é isso que querem.

O que desejam é o poder do pássaro para continuar a rastejar: Deus, transformado em ferramenta.

Ferramenta é um objeto que se usa para se atingir um fim desejado.

Assim são os martelos, as tesouras, as panelas...

O que as religiões desejam é transformar Deus em uma ferramenta a mais.

A mais poderosa de todas.

A ferramenta que realiza os desejos.

Como o gênio da garrafa.

Pois não é isso que é o milagre, a realização de um desejo por meio da manipulação do sagrado?

Só é canonizada santa uma pessoa que realizou milagres: o milagre é o atestado do seu poder para manipular o divino.

E é assim que as religiões se multiplicam, porque os desejos dos homens não têm fim, e os seus santuários se enchem de santos de todos os tipos, os santos milagreiros são nossos despachantes espirituais, todos eles a serviço dos nossos desejos, atenderão nossos desejos a preço módico, se rezarmos a reza certa e prometermos publicar o milagre em jornal, e pela televisão se anunciam fórmulas, sessões de descarrego, águas bentas milagrosas, exorcismo de demônios, os DJs de cada religião têm uma música na fala que lhes é própria...

Assim, a poesia do canto do Pássaro Encantado se transforma em manipulação do pássaro engaiolado.

E não percebem que aquele pássaro que têm dentro de suas gaiolas não é o Pássaro Encantado, que não se deixa engaiolar, porque é como o vento, e voa como quer, e tem uma única dádiva a oferecer aos homens: a beleza do seu canto.

À transformação da poesia em manipulação milagreira - os profetas deram o nome de idolatria.


by Rubens Alves




e no entanto é isso moça bonita

Este bendito pássaro encantado
nada mais é que o AMOR,
que não se deixa engaiolar,
porque é como o vento,
e voa como quer,
e tem uma única dádiva a oferecer aos homens:

a beleza do seu canto.





nesta tarde cinza
mas o sol
assim como você
hoje
já veio me dar BOM DIA!

AntonioCarlos

2oo7

:)
junh......Oh!



Caixa de Ferramentas





















"



Dúzias de pregos soltos,
três alfinetes de fralda
pra servir de desmazelo.

Um rolo de fita isolante,
que nem teve serventia.

Seis retratos 3x4,
fora o do relicário de prata,
que não é meu,
com mentira
escrita no verso.
Em prosa.

Desarrumadas lembranças,
uma carta de amor,
três de baralho:
um rei de pau,
uma dama de quatro,
um ás de ouro puro,
erro de cartomante.

Uma chave de fenda,
uma calcinha de renda,
uma clave de lua,
pena de passarinho,
asa de borboleta,
raiozinho de sol.

Minhas caixinhas de música,
conchinhas, tantos mares,
minha coleção de pedras,
meu colar de pérolas
e aquele salto alto,
que nunca foi lá.

Três segredos,
sete chaves
e nenhuma abre a algema.

Uma faca desafiada
por um pulso
sem coragem,
uma tesoura
sem ponta,
aterrorizando
velhos papéis.

Um missal de madrepérola,
um santinho de São Jorge
assassinando o dragão
com um canivete suíço.

Três segredos tão sufocados
no amarrado da fita amarela.

Um soluço,
a última ilusão.

Todas as bugigangas que juntei,
todos os parafusos que perdi
e quase esquecido,
de lado,
escondido entre rimas quebradas...

Um martelo torto
e sem cabo

de tanto bater
na saudade...



........................Silvana Guimarães








É isso dona moça
de repente bateu uma saudade de ti
que coisa engraçada

ah!

as vezes acho
que voce foi encontrada no
fundo da caixa da minha memória

junho veio
e trouxe você
...com 1/2 beijo lambuzado de chocolate!


AntonioCarlos

2oo7

:)
junh......Oh!