TRÊS MARIAS...
"
O velho Cessna cortava os céus.
Embaixo, o rio seco
estava salpicado de ilhotas.
De repente a pressão do óleo
começou a baixar
e o piloto resolveu pousar
no primeiro lugar que aparecesse.
E este lugar surgiu
sob a forma de uma ilha
de tamanho considerável, que,
imponentemente e
sobrepujando todas as outras,
era o lugar ideal para um pouso.
As rodas do Cessna
tocaram suavemente o solo arenoso,
num pouso perfeito.
A pane foi sanada
com a colocação do óleo que,
previdentemente, existia no avião
para situações de tal natureza.
Antes de reiniciar a viagem,
o piloto examinou aquele lugar.
A ilha, como as demais que a cercavam,
só aparecia na época da seca e,
em situação normal,
era parte do leito do Araguaia.
Lugar belíssimo
de uma areia alva e fina,
cercado por águas barrentas
e coberto com pedrinhas multicores.
O piloto decolou,
levando consigo dez pedrinhas,
escolhidas a dedo,
que teriam finalidade dupla:
seriam recordação
daquele lugar fabuloso
e excelente presente para sua filhinha.
Assim, a ilha ficou para trás;
agora só uma coisa realmente interessava,
a pressão do óleo,
que deveria permanecer normal
até a próxima etapa da rota.
O tempo passou e um tenente
continuava vivendo a sua vida
e uma garota loura
juntara à sua coleção de bonecas
um punhado de pedrinhas.
A ilha fora esquecida
até que certo dia,
um joalheiro famoso, ao visitar o oficial,
teve a sua atenção despertada para as pedrinhas,
que no momento serviam de peças
num jogo de três-marias
.- Tenente, onde o senhor encontrou estes cascalhos?
Essa pergunta
saiu dos lábios do visitante
numa forma de súplica
e intensa curiosidade.
O tenente explicou então
a sua rápida permanência na ilha:
- Pois saiba, concluiu o joalheiro,
que essas pedras são pedras preciosas!
E, separando uma menor,
preta, brilhante e luzidia, disse:
- Isto é satélite de diamante;
sua filha brinca de três-marias
com uma autêntica fortuna.
Não é preciso dizer
o que se passou com aquele oficial,
nem afirmar que, a partir de então,
ele foi o mais constante piloto daquela rota.
O destino colocou-lhe nas mãos
uma fortuna imensa;
durante uma fração de tempo
ele teve aos seus pés
milhares e milhares de pedras preciosas
e foi um autêntico Ali Babá
na caverna dos quarenta ladrões.
Talvez tenha sido o homem
mais rico da terra
naquele quarto de hora
em que permaneceu na ilha!
Mas o seu garimpo,
aquele tesouro imenso, e a sua ilha
existiam agora apenas na imaginação.
O Araguaia sepultara para sempre aquele lugar
e nunca mais foi possível localizá-lo.
Todos nós, como aquele piloto,
encontraremos,
se já não encontramos,
uma ilha no vôo de nossas vidas.
Ela conterá também
um rico garimpo,
o garimpo do amor,
e talvez seja mais preciosa
do que a ilha encontrada
no Araguaia
e muitas vezes,
como aquele piloto,
pousaremos despreocupados,
conheceremos a ilha,
que poderá ter
o nome doce de alguém,
poderá denominar-se
juventude,
ou talvez seja mesmo
uma ilha perdida
nas praias do nordeste.
Mas, se a ilusão e a ânsia
por sensações novas
nos fizerem decolar,
sem ao menos procurarmos
guardar o local onde estivemos
ou deixar nele uma placa com os dizeres:
"Esta ilha é minha"!!!!
E assim, levaremos
somente algumas pedras preciosas,
sob a forma de recordações
de um beijo,
de um carinho,
de um mar verde
e do vento,
apagando na areia
os nomes escritos com o coração.
E quando um joalheiro
famoso, conhecido
como o Senhor-Tempo,
nos disser que perdemos um garimpo,
voltaremos atrás,
como aquele oficial,
mas será tarde,
porque,
como o Araguaia,
o passado terá sepultado a nossa ilha.
Ficarão apenas,
como lembranças,
algumas pedras chamadas:
SAUDADES
de um nome,
de um carinho,
de um dia
de uma voz no telefone
de um e-mail
de uma noite
de uma lua cheia
de um riso
de uma mensagem de bom dia...
é isso...
e por isso
a ligeira certeza...
pois
conheço muito de pedras
daquelas com as quais trabalhei mais de 8 anos em Belo Horizonte
e de todas as outras que encontrei pelos caminhos
por isso
não posso
perder a oportunidade
sei já
o que trazes
no íntimo
dona Moça...
em junho
2oo7
antoniocarlos
:)