quinta-feira, 7 de junho de 2007

Rival



















Se a lua sorrisse,
teria a sua cara.

Você também deixa
a mesma impressão
de algo lindo,
mas aniquilante.


Ambos são peritos
em roubar a luz alheia.

Nela, a boca aberta
se lamenta ao mundo;
a sua é sincera,
e na primeira chance
faz tudo virar pedra.

Acordo num mausoléu;
te vejo aqui,
tamborilando na mesa de mármore,
procurando cigarros,
desconfiado como uma mulher,
não tão nervoso assim,
e louco para dizer algo irrespondível.

A lua, também,
humilha seus súditos,
mas de dia ela é ridícula.

Suas reclamações,
por outro lado,
pousam na caixa do correio
com regularidade encantadora,
brancas e limpas,
expansivas
como monóxido de carbono.

Nem um dia se passa
sem notícias suas,
vadiando pela África,
talvez,
mas pensando em mim...


by Sylvia Plath - [tradução Rodrigo Garcia Lopes e Maurício Arruda Mendonça]


e é isso
não é?


1/2 beijo sabor lua fria
antoniocarlos
junho
2oo7
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Uma Concordância Completa




















Assim deviam ter sido nossas viagens:
sérias, marcantes.

As Sete Maravilhas do Mundo
estão cansadas,
e já um tanto familiares,
mas as outras paisagens,
inumeráveis, embora igualmente
tristes e tranqüilas,
são estrangeiras.

Com freqüência
um árabe de cócoras,
ou um grupo de Árabes,
conspirando, provavelmente,
contra nosso Império Cristão,
enquanto um outro,
com o braço e mão estendidos
aponta para a Tumba,
o Sepulcro, a Sepultura.

Os galhos das palmeiras
parecendo lixas.

O pátio pavimentado
onde o Poço secou,
é como um diagrama,
os canais de tijolos
são vastos e óbvios,
a figura humana
há muito,
na história ou teologia,
se foi com seu camelo
ou seu cavalo leal.




















Sempre o silêncio, o gesto,
as manchas dos pássaros,
suspensos sobre o Sítio
por invisíveis fios,
ou a fumaça que eleva-se, solene,
sutentada por fios.

Apenas uma página solitária
ou uma página feita
de várias cenas arranjadas
em retângulos diagonais
ou círculos dispostos
sobre um fundo cinza pontilhado,
que garantem uma austera tela
presa nos laços de uma letra capitular,
quando longamente estudadas,
as cenas decifram-se a si mesmas.


O olho cai, pesado,
entre linhas
talhadas a buril,
as linhas que se movem separadas
como ondulações sobre a areia,
tempestades dispersadas,
como extensa impressão digital de Deus,
e penosamente, finalmente,
se incendeiam
em tons iridescentes
de branco e azul aquosos.




















Penetrando nos Estreitos em St. Johns
o comovente balido das cabras
alcançava o navio.

Nós as vislumbramos, avermelhadas,
saltando os penhascos,
entre ervas daninhas e
linárias amarelas
saturadas de bruma.


Na Basílica de São Pedro,
o vento soprava
e o sol brilhava ensandecido.

Rápidos, resolutos,
os Colegiais marchavam em fileiras
cruzando a praça imensa
em trajes negros, como formigas.

No México
o homem morto jazia
numa galeria azul;
os vulcões extintos
cintilavam
como os lírios da Páscoa.


A vitrola tocava “Ay, Jalisco!” sem parar.

E, em Volubilis,
havia lindas papoulas
rachando os mosaicos;

o guia gordo e velho
revirava os olhos.

No porto de Dingle,
em um longo anoitecer dourado,
os cascos apodrecidos dos navios
desfaziam-se como pelúcia.

A Inglesa servia o chá,
informando-nos
que a Duquesa
esperava um bebê.

E nos bordéis de Marrakesh
as pequenas prostitutas
marcadas por catapora,
equilibravam bandejas de chá
sobre suas cabeças
e dançavam
suas danças do ventre; nuas,
gracejavam atirando-se
em nossos joelhos,
pedindo cigarros.

E em algum lugar próximo dali
vi algo que me aterrorizou
mais que tudo:

Uma sepultura sagrada,
de aspecto nada santo,
disposta, entre outras,
sob um baldaquino
com arco de pedra
em forma de fechadura,
exposta a todos os ventos
do deserto róseo.

Um vaso de mármore, aberto,
de aspecto arenoso,
entalhado firmemente
com exortações, amarelecidas,
como esparsos dentes de gado;
meio cheio de pó,
mas não do pó
do desditoso profeta muçulmano
que um dia jazia ali.

Vestindo um albernoz enfeitado,
Khadour sorria, irônico.

Tudo ligado apenas por “e” e “e”.

Abra o livro.

(O revestimento dourado
solta-se das bordas das páginas
e poliniza as pontas dos dedos).

Abra o livro pesado.
Como pudemos deixar de visitar
esse velho Presépio
quando estivemos lá?

-- a escuridão entreaberta,
as pedras rompendo-se em luz,
uma imperturbável,
imóvel chama,
sem cor, sem chispas,
alimentada livremente por palhas,
e, lá dentro,
havia uma tranquila família
rodeada de bichos
-- que contemplaríamos
incansavelmente
com olhar de criança.

by Elizabeth Bishop (trad. Flávio Sgarbi)


e é isso
não é?


1/2 beijo sabor 1001 noites
antoniocarlos
junho
2oo7
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