Você muda o cabelo
Você muda o cabelo,
o comprimento, a cor,
para não deixar pistas de quem mexeu,
de quem ainda mexe nele em segredo
cada vez que respira fundo.
Ele não se despediu verdadeiramente.
Ou será que você não insistiu?
A dúvida não diz sim nem não,
como se não houvesse palavras
para derrubar a vontade da boca.
Ficou assim, o dito pelo não-dito,
o incerto, o indefinido.
Ambos não foram legíveis, foram confusos.
A separação confunde.
Você percebe que o cabelo não é suficiente.
Depois do primeiro dia, ainda depende do seu amor.
Aliás, depende ainda mais forte dele.
Pois agora quer mostrar o cabelo novo.
Você decide baixar o armário,
alterar o corte das roupas
e renovar os acessórios.
Agride os próprios gostos, desfaz o preto,
como se pintasse quadros com as mãos,
sem a mediação dos pincéis.
Seu corpo está diferente, o ajuste, a vibração.
As pernas mais dadas para a rua.
Entra na academia de ginástica.
Treina como uma condenada.
Mas não é suficiente.
Percebe que está mais gostosa do que antes.
Ele poderia enfim se decidir.
Você pinta as unhas, o escândalo do roxo.
Ao tomar café,
recobra que ele escolhia o pingado,
pensa nele antes de seu pedido,
pede pela primeira vez com leite
e o mistura com os dedos,
sem a mediação das colheres.
Isso a excita, recordar dele a excita,
mesmo que tenha se transformado em outra.
A outra deseja conhecer ele,
de tanto que a antiga contou detalhes.
Você apagou o telefone dele do celular.
Apagou o nome dele da caixa de mensagens.
Está se desacostumando a ele,
não recorda precisamente os diálogos.
Vão desvanecendo como papel de fax.
Bate o terror de ser apenas mais um caso.
Não tem como dominar
o jeito que ele a guardará,
a forma como a guardará.
Descobre que seu maior receio
é não ser lembrada.
Como está esquecendo-o,
ele também pode estar a esquecendo.
Liga para ele,
deixa tocar quatro vezes,
ele não atende.
Fica com raiva,
raiva de não ser atendida.
Ou raiva da fraqueza de telefonar?
A dúvida volta.
Nunca se termina aquilo que se deseja.
Corre obcecada para uma loja de móveis.
Revira a decoração da casa,
altera os objetos de lugar, troca o estilo da sala.
Mais despojado, mais rústico.
Rústico era o rosto dele com a barba por fazer.
Ele a arranhava na hora de sussurrar.
Não avisou a pele que vocês estão separados
e ela permanece esperando o encontro.
Crê verdadeiramente que, mudando por fora,
encontrará o atalho para mudar por dentro.
Não a ensinaram a se despedir.
Os homens morreram em sua vida
e não foram enterrados.
Desiste de mudar quando toca seu telefone.
Deixa tocar quatro vezes
e não atende.
Você e ele desaprenderam a falar.
será isso
moça bonita?
o desaprender a falar?
a sorrir?
a permitir?
a sonhar?
a ousar?
fugir do caos criativo?
então?
te espero e quero
neste 10embro
2009
antoniOCarlos
Pintura: Leonid Afromov
Texto : Cabelos - Fabricio Carpinejar
Música : Barbra Streisand- The Way We Were