quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Você muda o cabelo






Você muda o cabelo,
o comprimento, a cor,
para não deixar pistas de quem mexeu,
de quem ainda mexe nele em segredo
cada vez que respira fundo.


Ele não se despediu verdadeiramente.

Ou será que você não insistiu?

A dúvida não diz sim nem não,
como se não houvesse palavras
para derrubar a vontade da boca.

Ficou assim, o dito pelo não-dito,
o incerto, o indefinido.

Ambos não foram legíveis, foram confusos.

A separação confunde.

Você percebe que o cabelo não é suficiente.

Depois do primeiro dia, ainda depende do seu amor.

Aliás, depende ainda mais forte dele.

Pois agora quer mostrar o cabelo novo.



Você decide baixar o armário,
alterar o corte das roupas

e renovar os acessórios.

Agride os próprios gostos, desfaz o preto,

como se pintasse quadros com as mãos,
sem a mediação dos pincéis.

Seu corpo está diferente, o ajuste, a vibração.

As pernas mais dadas para a rua.

Entra na academia de ginástica.

Treina como uma condenada.

Mas não é suficiente.

Percebe que está mais gostosa do que antes.

Ele poderia enfim se decidir.

Você pinta as unhas, o escândalo do roxo.


Ao tomar café,

recobra que ele escolhia o pingado,
pensa nele antes de seu pedido,
pede pela primeira vez com leite
e o mistura com os dedos,
sem a mediação das colheres.

Isso a excita, recordar dele a excita,
mesmo que tenha se transformado em outra.

A outra deseja conhecer ele,
de tanto que a antiga contou detalhes.

Você apagou o telefone dele do celular.

Apagou o nome dele da caixa de mensagens.

Está se desacostumando a ele,
não recorda precisamente os diálogos.

Vão desvanecendo como papel de fax.

Bate o terror de ser apenas mais um caso.

Não tem como dominar

o jeito que ele a guardará,
a forma como a guardará.

Descobre que seu maior receio
é não ser lembrada.

Como está esquecendo-o,
ele também pode estar a esquecendo.

Liga para ele,
deixa tocar quatro vezes,
ele não atende.

Fica com raiva,
raiva de não ser atendida.

Ou raiva da fraqueza de telefonar?

A dúvida volta.

Nunca se termina aquilo que se deseja.

Corre obcecada para uma loja de móveis.

Revira a decoração da casa,
altera os objetos de lugar, troca o estilo da sala.

Mais despojado, mais rústico.

Rústico era o rosto dele com a barba por fazer.

Ele a arranhava na hora de sussurrar.

Não avisou a pele que vocês estão separados
e ela permanece esperando o encontro.

Crê verdadeiramente que, mudando por fora,
encontrará o atalho para mudar por dentro.

Não a ensinaram a se despedir.


Os homens morreram em sua vida
e não foram enterrados.

Desiste de mudar quando toca seu telefone.

Deixa tocar quatro vezes
e não atende.

Você e ele desaprenderam a falar.



será isso
moça bonita?
o desaprender a falar?
a sorrir?
a permitir?
a sonhar?
a ousar?

fugir do caos criativo?

então?
te espero e quero

neste 10embro

2009

antoniOCarlos





Pintura: Leonid Afromov
Texto : Cabelos - Fabricio Carpinejar
Música : Barbra Streisand- The Way We Were