quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Casuarinas






Ouvi dizer que são milagre, noites com sol
Mas hoje eu sei não são miragem, noites com sol
Posso entender o que diz a rosa ao rouxinol
Peço um amor que me conceda noites com sol


.............


Casuarinas...


Crescemos rápido como casuarinas
naquele sol de terra quente
em que vivíamos.

Não criamos muitos ornamentos;
fomos plantas da terra seca.

Só que lambuzamos em pedra-sabão
a nossa unidade de escultura;
e de escultor.

Tessitura seca dentro do céu da boca.

Houve oásis nas horas de aconchego.

Um par de orelhas disposto a virar brinco.

Sem ourives, nossas jóias dinamitaram.

Um par de bocas disposto a virar boca.

E monte de mãos acenando o adeus.

Na vida há duas espécies de abandono.

Poder-se-ia dizer: real e imaginário.

O que abandona, e o que é abandonado.

Há leis que não mudam
sem que haja uma remodelação dos céus.

Há devires e deveres.

As atribulações
não começam no corpo.

Escalamos montanhas.

Ilhas sob a terra firme do nunca.

Arquipélagos que éramos,
agrupados n´algum seco de oceano.

Diferentes tamanhos e formatos.

Éramos bando de casuarinas estufadas.

Decalcados, peça a peça,
nas vestes que não nos serviam mais.

A tessitura quente dentro do céu da boca.

Um véu recolhendo os instintos.

Eu servia ateu, Deus.

Ensaios na sacristia da alma.

Poucas realizações,
mas muito talento para amar.

Aos poucos,
aprendíamos tanto mais o fracasso
que o abraço do aplauso.

Havia muita divisão compartilhada,
e um desejo triplo de sermos
eu, você, nós.

A escalada é íngreme,
sem tréguas para o corpo
em que se cultiva
o brotar de casuarinas,
estátuas em pedra-sabão,
umas poucas esculturas
nascendo urgentes,
personagens tecidos
de umidade-lágrima.

A vida é um anfiteatro,
úmido, com arquibancadas,
e no centro,
uma erosão,
para espetáculos públicos,
combates de feras,
ou de gladiadores;
jogos e representações.

Oval ou circular,
a vida é muito mais que
verbete de dicionário.

A vida não é biológica.

A vida é teatral.

Com direito a leão faminto.

Com direito a cristão.

Que ponham fogo em Roma!

Que a romaria cesse.

Que as feras se desenjaulem,
todas,
porque são dóceis
na mão do horror.

Venham pro palco, as aflições.
Tolas.

Que eu recomece,
de novo,
outra vez.

Aquele instinto de feto
de que eu me persuadi
a abortar.

Imberbe capacidade de ser gente,
um rosto púbere,
um ventre branco,
erodido de plasma poético.

Erodido de montanhas,
montanhoso,
montês.

Em uma platéia que esperava o que eu fui.

Éramos coesos de alma,
e mesmo na separação,
havia um sol vasto entre nós.

Era ela...

A moça bonita...

Se pedíssemos para o vento parar,
ela parava...

Se quiséssemos o vôo,
eis o planar no meio dos céus!

Ela, a única responsável
e sem que eu soubesse,
olhei o mundo
com os olhos dela.

Nenhuma representação de ator,
nenhuma necessidade de ser
atriz.

Só na vida.
Era amor.

Só por ela o meu ódio,
a minha pouca fé.

Que contradição à beira do mundo!

Precipícios escalados,
dupla de um,
bússola sem norte,
pólo no Equador.

Havia uma tarefa e eu cumpri.

Apreender um modo de ser
e estar no mundo.

Que diferença fez se encenei?

Acho que fechei os olhos num adeus.

O coração veio depois.

Além e só,
as montanhas removeram aquele sonho
que eu acreditava meu;
aquela Minas que eu sonhava minha,
aquela Ouro Preto em fim de tarde
às sombras do Itacolomy...

Meu espaço, sonho,
e toda relva atrás da cortina.

Secaram os pântanos,
planaltos desceram;
e o que sobrou?

O que fomos quando deixamos de ser
aquela agonia de espaços,
e de abraços?

Sobramos,
uns dentro dos outros,
alguns um pouco por fora.

Demorou até que
eu dissesse adeus.

No fim eu entrei,
uma vez mais,
eu fui correndo
contar para os outros
o milagre da ressurreição;
eu chorava de verdade,
por alguma espécie de transtorno
com a luz que eu via,
com o século que eu vivia;
era uma espécie de ressurreição
sem volta.

Ela foi subindo,
subindo...

Ela foi sumindo
sumindo...

Perdeu-se na poeira da estrada
que o retrovisor aos poucos
não mais mostrava...

Não criamos muitos ornamentos;
fomos plantas da terra seca.

Um par de orelhas
disposto a virar brinco.

O que abandona,
e o que é abandonado.

Muito talento para amar;
umas poucas esculturas
nascendo urgentes.

Montanha,
montanhoso,
montês.

Subiu tão alto,
que na montanha em que fiquei,
restaram somente:

eu,
e a des-inteira
humanidade.

..Depois, o que mais,
o que veio depois?

Uma recordação.

Do que fui eu.

Do que fui hoje.

Por ela,
e por todos nós...

E a vida
era assim
Moça Bonita.

Em Ouro Preto
a muitos anos atrás...


antoniOcarlos




















Ouro Preto -MG - Pico do Itacolomy


Música : Flávio Venturini - Noites com Sol