sábado, 23 de junho de 2007

SOBRE DEUSES,PÁSSAROS & GAIOLAS




















"
Eu não tenho religião.

Não vou a igrejas, não participo de rituais, não acredito nos seus dogmas.

Preciso não ter religião para amar a Deus sem medo, com alegria e, principalmente, sem nada pedir.

Não tenho religião porque não concordo com as coisas que elas dizem de Deus.

Deus é um Grande Mistério.

Está além das palavras.

Diante do Grande Mistério a gente emudece.

Fica em silêncio.

Discordo a partir do pronome "ele".

Deus "ele", masculino?

Onde foi que aprenderam sobre o sexo de Deus?

Deus tem sexo?

Se tem sexo, por que não ela, Deus mulher?

Como a mulher do Cântico dos Cânticos?

A Igreja Católica não conhece a mulher.

Conhece apenas a "mãe" que foi mãe sem ter sido mulher.

Deus: por que não uma flor, a mais perfumada?

Por que não um mar sem fim onde a vida navega?

Místicos houve que disseram que Deus é uma criança que nos convida a brincar...

Mas pode ser também que Deus seja música, como pensaram os místicos pitagóricos.

Ter uma religião é falar as palavras sagradas daquela religião e acreditar nelas.

As religiões se distinguem e se separam: pelas diferenças das palavras que usam para se referir ao sagrado.

Se elas nada falassem, se houvesse apenas o silêncio diante do Grande Mistério, a Babel das religiões não existiria.

Diante do Grande Mistério apenas uma palavra é permitida, a palavra poética, porque a poesia não o diz mas apenas aponta para ele.

O grande Mistério está além das palavras.

Se tenho uma religião ela se chama poesia.

Por isso, amo a Cecília Meireles, sacerdotisa profana, que quando queria se referir a Deus falava sobre um mar sem fim, misterioso e selvagem.

Quem em silêncio contempla o mar sem fim ouve vozes em meio ao barulho das ondas.

Também Fernando Pessoa sabia disso.

Mas, prestando bem atenção, é possível ver, a voar sobre o mar sem fim, um pequeno pássaro que canta:

"Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve.

E a cascata aérea de sua garganta: mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se deslizar seu canto, mais leve..."

Os poetas escrevem em transe: não sabem sobre que estão escrevendo.

Faz muitos anos, escrevi um livro para minha filha.

Ela tinha 4 anos.

Eu iria fazer uma demorada viagem pelo exterior e ela ficou com medo de que eu morresse e não voltasse.

Apareceu-me, então, uma estória,

A menina e o pássaro encantado.

Resumida, era assim:

era uma vez uma menina que amava um pássaro encantado que sempre a visitava e lhe contava estórias, o pássaro a fazia imensamente feliz.

Mas sempre chegava um momento quando o pássaro dizia:

"Tenho de ir".

A menina chorava porque amava o pássaro e não queria que ele partisse.

"Menina", disse-lhe o pássaro, "aprenda o que vou lhe ensinar: eu só sou encantado por causa da ausência.

É na ausência que a saudade vive.

E a saudade é um perfume que torna encantados a todos os que o sentem.

Quem tem saudades está amando.

Tenho de partir para que a saudade exista e para que eu continue a
amá-la, e você continue a me amar..."

E partia.

A menina, sofrendo a dor da saudade, maquinou um plano: quando o pássaro voltou e lhe contou estórias e foi dormir, ela o prendeu numa gaiola de prata dizendo:

"Agora ele será meu para sempre".

Mas não foi isso que aconteceu.

O pássaro, sem poder voar, perdeu as cores, perdeu o brilho, perdeu a alegria, não mais tinha estórias para contar.

E o amor acabou.

Levou tempo para que a menina percebesse que ela não amava aquele pássaro engaiolado.

O pássaro que ela amava era o pássaro que voava livre e voltava
quando queria.

E ela soltou o pássaro que voou para longe.

A estória termina na ausência do pássaro e a menina se enfeitando para a sua volta.

Minha intenção, ao escrever esta estória, era simples: consolar a minha filha.

Mas quando foi publicada ganhou um sentido que não estava nas minhas intenções: começou a ser usada em terapia, com casais possuídos pela ilusão de que, engaiolado, o amor seria posse eterna...

Desde então passei a presentear noivos com uma gaiola da qual eu arrancava a porta.

Mas, passado algum tempo, uma pessoa me disse:

"Que linda estória você escreveu sobre Deus!"

"Sobre Deus?", eu perguntei sem entender.

"Sim", ela me respondeu.

"O Pássaro Encantado não é Deus?

E as gaiolas não são as religiões nas quais os homens tentam aprisioná-lo?"

Aprendi, então, da minha própria estória, algo que não sabia:

Deus como um Pássaro Encantado que me conta estórias.

Amo o Pássaro.

Odeio as gaiolas.

O Pássaro Encantado: não pousa em galhos para cantar.

Não é possível fotografá-lo.

Canta enquanto voa.

Dele, o que temos é apenas a sua leve sombra voante e a
cascata aérea de sua garganta...

Quando ouço o seu canto, ele já passou.

Só é possível vê-lo em seu vôo, por trás.

Vai-se o Pássaro.

Fica a memória do seu canto.

Um pássaro voando é um pássaro livre.

Não serve para nada.

Impossível manipulá-lo, usá-lo, controlá-lo.

Pássaro inútil.

E esse é, precisamente, o seu segredo: a sua inutilidade: ele está além das maquinações dos homens.

Sua única dádiva é o seu canto.

Só faz um milagre, um único milagre: quando, chorando, lhe peço "Passa de mim esse cálice", ele canta e o seu canto transforma a minha tristeza em beleza.

Por isso eu nada lhe peço.

Sei que ele não atende a pedidos.

O seu canto me basta: ao ouvi-lo transformo-me em pássaro.

E vôo com ele...

Mas aí vêm os homens com as suas arapucas e gaiolas chamadas religiões.

E cada uma delas diz haver conseguido prender o Pássaro Encantado em gaiolas de palavras, de pedra, de ritos e magia.

E cada uma delas afirma que o seu pássaro engaiolado é o único Pássaro Encantado verdadeiro...

Por que prenderam o Pássaro?

Porque o seu canto não lhes bastava.

Não lhes bastava a beleza.

Na verdade, não o amavam.

O que os homens desejam não é a beleza de Deus.

O que eles desejam é manipular o seu poder.

O que eles querem é o milagre.

O canto do pássaro poderia lhes dar asas para voar.

Mas não é isso que querem.

O que desejam é o poder do pássaro para continuar a rastejar: Deus, transformado em ferramenta.

Ferramenta é um objeto que se usa para se atingir um fim desejado.

Assim são os martelos, as tesouras, as panelas...

O que as religiões desejam é transformar Deus em uma ferramenta a mais.

A mais poderosa de todas.

A ferramenta que realiza os desejos.

Como o gênio da garrafa.

Pois não é isso que é o milagre, a realização de um desejo por meio da manipulação do sagrado?

Só é canonizada santa uma pessoa que realizou milagres: o milagre é o atestado do seu poder para manipular o divino.

E é assim que as religiões se multiplicam, porque os desejos dos homens não têm fim, e os seus santuários se enchem de santos de todos os tipos, os santos milagreiros são nossos despachantes espirituais, todos eles a serviço dos nossos desejos, atenderão nossos desejos a preço módico, se rezarmos a reza certa e prometermos publicar o milagre em jornal, e pela televisão se anunciam fórmulas, sessões de descarrego, águas bentas milagrosas, exorcismo de demônios, os DJs de cada religião têm uma música na fala que lhes é própria...

Assim, a poesia do canto do Pássaro Encantado se transforma em manipulação do pássaro engaiolado.

E não percebem que aquele pássaro que têm dentro de suas gaiolas não é o Pássaro Encantado, que não se deixa engaiolar, porque é como o vento, e voa como quer, e tem uma única dádiva a oferecer aos homens: a beleza do seu canto.

À transformação da poesia em manipulação milagreira - os profetas deram o nome de idolatria.


by Rubens Alves




e no entanto é isso moça bonita

Este bendito pássaro encantado
nada mais é que o AMOR,
que não se deixa engaiolar,
porque é como o vento,
e voa como quer,
e tem uma única dádiva a oferecer aos homens:

a beleza do seu canto.





nesta tarde cinza
mas o sol
assim como você
hoje
já veio me dar BOM DIA!

AntonioCarlos

2oo7

:)
junh......Oh!



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