sexta-feira, 6 de março de 2009

Com a alegria é diferente...






- E quem falou que não existe um amor? -



ALEGRIA...




Não, eu não quero prazer!
Eu quero alegria!

Era isso o que dizia
uma das amantes de Tomás,
o médico de A Insustentável Leveza do Ser.

E Tomás ficava perdido
porque prazer ele sabia dar,
é coisa de receita fácil,
mora no corpo.


Mas alegria é coisa mais sutil,
mora na alma,
no lugar das fantasias e da saudade.

Há um jeito fácil de saber
se o que se sente é prazer ou alegria.

Basta prestar atenção no corpo.

Se ele for ficando
cada vez mais pesado, é prazer.

Se for ficando
cada vez mais leve, é alegria.

Todo mundo já experimentou isso

num churrasco ou numa feijoada,
a comida é gostosa,
agrada boca e nariz,
boca sempre cheia,
dentes incansáveis,
mais uma cervejinha e, aos poucos,
a gente vai ficando desanimado,
estufado, incomodado,
não agüenta mais.

Pena que o costume romano
de ter um vomitório
em cada refeitório tenha sido esquecido,
quem sabe algum arquiteto imaginoso
vai convencer um dono de restaurante
a introduzir tal progresso
no seu estabelecimento.

O prazer é sempre assim
– ao final o corpo diz:

Chega! Não agüento mais!


E isso é verdade também
para as coisas do amor carnal.


No ônibus a mocinha incansavelmente
se dedicava a abraçar, acariciar, apalpar,
beijar, mordiscar o namorado,
coitadinha, pensando que assim
os desejos dele seriam acesos
de forma incontrolável
e ele nunca mais a abandonaria.


Fiquei com dó dela,
por não entender das coisas do prazer,
e dele, pois de forma alguma
gostaria de estar na sua pele.

O final, que não presenciei,
era inevitável:
ela seria mandada embora.


E era justamente isso
que o Tomás fazia
com todas as suas amantes:

não deixava que nenhuma delas
dormisse em sua casa.

Terminada a orgia do amor,
tratava de chamar um táxi
e despachá-las para suas casas,
porque sua maquineta de prazer
não era realejo que fica tocando
enquanto se gira a manivela.

Há manivelas que,
depois de algumas voltas,
se recusam a girar de novo,
ficam emperradas.

Assim é a máquina do amor
– tanto nos homens quanto nas mulheres.


Com a alegria é diferente.
O corpo vai ficando cada vez mais leve;
quanto mais come,
com mais fome fica.


Você vai dizer que não pode ser,
que não existe jeito
de comer sem se encher.

Pois eu digo que tudo tem a ver
com a fome que se tem
e com a comida que se come.

Foi justamente isso
que pôs meu realejo de pensamento
a funcionar.

E esse realejo, posso assegurar,
não precisa de manivela
para produzir música,
é moto-contínuo,
movido por alegria,
pois pensar é uma alegria,
brincar com as idéias,
como se fosse criança brincando:

criança não se cansa,
só pára de brincar
por imposição dos superiores,
pois brinquedo,
além de dar prazer,
dá alegria também.

E é por isso que mesmo quando
o corpo é obrigado a parar,
a cabeça desobedece
e continua a brincar.

O que não é o caso do prazer,
pois quem seria louco
de continuar a comer
a feijoada no pensamento,
se o estômago não agüenta mais?


Barriga que se encheu
gostaria mesmo é de se esquecer
do que comeu...

Uma outra diferença é que o prazer,
para acontecer, precisa que a coisa exista.

Ele precisa da feijoada,
do churrasco,
da boca que dá o beijo.

Já a alegria, para haver,
não precisa que a coisa exista.

O que me faz pensar
que ela deve ser
mais divina que o prazer pois,
a se acreditar no Riobaldo,

Deus é aquele que é,
mesmo quando não existe.

A alegria é coisa de criança.

Pois criança se alegra
com qualquer coisa,
bolinha de gude, pião,
casa de toquinho,
torre de dominó,
panelinha de fazer comidinha,
coisa do mundo de faz-de-contas.

E percebi que também sou assim.

Claro que meu pensamento
sabe trabalhar as coisas importantes.

Mas quando ele está livre
e não lhe dou uma tarefa a cumprir,
ele anda vagabundo como criança,
do jeitinho do Menino Jesus
como conta Alberto Caeiro,
brincando com idéias sem importância,
como os riachinhos, as cachoeiras,
as saracuras, os pintassilgos,
os pica-paus, as araucárias,
um inútil monjolo velho,

um forninho de barro que ainda não fiz,
as galinhas d’angola que ainda não estão lá,
uma casinha que vou fazer para a minha neta,
tudo lá nos ermos da Mantiqueira,
mesmo quando lá não estou,

só na imaginação,
que é o lugar onde a alegria vem,
me faz virar menino
e começo a voar como o Peter Pan.

Pra quem não sabe,
é bom prestar atenção.

Assim também é o amor.

Para alguns, a dita pessoa amada
é só objeto de prazer,
feijoada, comeu, gostou, ficou cheio, enjoou...

Para outros a pessoa amada
é alegria leve do pensamento,
que brinca com ela mesmo quando está longe.

Esses estarão sempre com fome...

Ruben Alves - 31/7/93 - in Teologia do Cotidiano


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e eu ?

sempre com muita fome de ti

moça dos lábios carmin

delirantes

e dos olhos faiscantes

assim


e é isso!

Antonio Carlos
março
2oo9