terça-feira, 1 de maio de 2007

As

Mil e Uma Noites ...
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e as coincidências e acasos
são as certezas que nos levam nesta viagem todas as noites

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Estou me entregando ao prazer ocioso de reler As Mil e Uma Noites.

O encantamento começa com o título que, nas palavras de Jorge Luis Borges, é um dos mais belos do mundo.
Segundo ele, a sua beleza particular se deve ao fato de que a palavra mil é,para nós, quase sinônimo de infinito.

"Falar em mil noites é falar em infinitas noites.

E dizer mil e uma noites ...é acrescentar uma além do infinito."
As mil e uma noites são a estória de um amor -um amor que não acaba nunca.
Não existe ali lugar para os versos imortais do Vinícius(tão belos que o próprio Diabo citou em sua polêmica com o Criador) :

"Que não seja eterno, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure..."

Estas são palavras de alguém que já sente o sopro do vento que dentro em pouco apagará a vela:
Declaração de amor que anuncia uma despedida.

Mas é isto que quem ama não aceita.
Mesmo aqueles em quem a chama se apagou
sonham em ouvir de alguém, um dia,
as palavras que Heine escreveu para uma mulher:

"Eu te amarei eternamente e ainda depois."

É preciso que a chama não se apague nunca,
mesmo que a vela vá se consumindo.

A arte de amar
é a arte de não deixar
que a chama se apague.

Não se deve deixar a luz dormir.
É preciso se apressar em acordá -la

(Bachelard).


E, coisa curiosa:
A mesma chama que o vento impetuoso apaga
volta a se acender pela carícia do sopro suave...

As mil e uma noites
são uma estória da luta
entre o vento impetuoso
e o sopro suave.

Ela revela o segredo do amor
que não se apaga nunca.

...Um sultão, descobrindo-se traído pela esposa
a quem amava perdidamente,
toma uma decisão cruel.

Não podia viver
sem o amor de uma mulher.
Mas também não podia suportar
a possibilidade da traição.

Resolve, então, que iria se casar
com as moças mais belas dos seus domínios,
mas depois da primeira noite de amor,
mandaria decapitá-las.

Assim o amor se renovaria a cada dia
em todo o seu vigor de fogo impetuoso,
sem nenhum sopro de infidelidade
que pudesse apagá-lo.

Espalham-se logo, pelo reino,
as notícias das coisas terríveis
que aconteciam no palácio real:

As jovens desapareciam,
logo depois da noite nupcial.
Sherazade, filha do vizir, procura então o seu pai
e lhe anuncia sua espantosa decisão:

Desejava tornar-se esposa do sultão.

O pai, desesperado,
lhe revela o triste destino que a aguardava,
pois ele mesmo era quem cuidava das execuções.

Mas a jovem se mantém irredutível.

A forma como o texto descreve
a jovem Sherazade é reveladora.

Quase nada diz sobre sua beleza.

Faz silêncio total
sobre o seu virtuosismo erótico.

Mas conta que ela lera livros de toda espécie,
que havia memorizado grande quantidade
de poemas e narrativas,
que decorara os provérbios populares
e as sentenças dos filósofos.

E Sherazade se casa com o sultão.


Realizados os atos de amor físico
que acontecem nas noites de núpcias,
quando o fogo do amor carnal
já se esgotara no corpo do esposo,
quando só restava esperar o raiar do dia
para que a jovem fosse sacrificada,
ela começa a falar.

Conta estórias.
Suas palavras penetram
os ouvidos vaginais do sultão.

Suavemente, como música.

O ouvido é feminino,
vazio que espera e acolhe,
que se permite ser penetrado.

A fala é masculina,
algo que cresce e penetra
nos vazios da alma.

Segundo antiqüíssima tradição,
foi assim que o deus humano foi concebido:

Pelo sopro poético do Verbo divino,
penetrando os ouvidos encantados
e acolhedores de uma Virgem.

O corpo é um lugar maravilhoso de delícias.

Mas Sherazade sabia
que todo amor construído
sobre as delícias do corpo
tem vida breve.

A chama se apaga
tão logo o corpo se tenha esvaziado
do seu fogo.

O seu triste destino
é ser decapitado pela madrugada:

Não é eterno, posto que é chama.

E então, quando as chamas dos corpos
já se haviam apagado,
Sherazade sopra suavemente.

Fala...

Erotiza os vazios adormecidos do sultão.

Acorda o mundo mágico da fantasia.

Cada estória contém uma outra,
dentro de si,
infinitamente.

Não há um orgasmo
que ponha fim ao desejo.

E ela lhe parece bela,
como nenhuma outra.

Porque uma pessoa é bela,
não pela beleza dela,
mas pela beleza nossa
que se reflete nela...


Conta a estória que o sultão,
encantado pelas estórias de Sherazade,
foi adiando a execução,
por mil e uma noites,
eternamente
e um dia mais.

Não se trata de uma estória de amor,
entre outras.

É, ao contrário,
a estória do nascimento
e da vida do amor.

O amor vive neste sutil fio de conversação,
balançando-se entre a boca
e o ouvido.

Sônia Braga, ao final do documentário
de celebração dos 60 anos do Tom Jobim,
disse que o Tom era o homem
que toda mulher gostaria de ter.

E explicou:
''Porque ele é masculino e feminino ao mesmo tempo...

'' o segredo do amor é a androgenia:

somos todos, homens e mulheres,
masculinos e femininos
ao mesmo tempo.

É preciso saber ouvir.
Acolher.
Deixar que o outro
entre dentro da gente.

Ouvir em silêncio.
Sem expulsa-lo
por meio de argumentos
e contra-razões.

Nada mais fatal contra o amor
que a resposta rápida.
Alfanje que decapita.

Há pessoas muito velhas
cujos ouvidos ainda são virginais:
nunca foram penetrados.

E é preciso saber falar.

Há certas falas
que são um estupro.

Somente sabem falar
os que sabem fazer silêncio e ouvir.

E, sobretudo,
os que se dedicam à difícil arte
de advinhar:

Advinhar os mundos adormecidos que habitam os vazios do outro.

As mil e uma noites são a estória de cada um.

Em cada um mora um sultão.

Em cada um mora uma Sherazade.

Aqueles que se dedicam à sutil
e deliciosa arte de fazer amor
com a boca e o ouvido
(estes órgãos sexuais que nunca vi mencionados nos tratados de educação sexual...)
Podem ter a esperança
de que as madrugadas
não terminarão com o vento
que apaga a vela,
mas com o sopro
que a faz reacender-se.


by Ruben Alves
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então é isso
moça bonita

nestas nuvens
por onde
coincidências
e sinais
nos levam
através deste portal
de maio

e o ciclo recomeça
mais uma vez



antoniOCarlos
2oo7

:)
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