sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Seguindo a canção




Ouça a música que eu escolhi para fazer fundo ao texto:



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Pensei nele
e logo a sua imagem
começou a chamar outras parecidas
que se encaixassem
no quebra-cabeças
de loucura e coragem
que estava à minha frente.


A primeira imagem a atender o chamado
veio de uns versos da Cecília Meireles,
no Romanceiro da Inconfidência, n. XXXI:

Por aqui passava um homem/
– e como o povo se ria! –
/ que reformava este mundo do alto da montaria/
E cavalgava.../
E a marcha era tão segura/
que uns diziam: “Que coragem!”/
E outros: “Que loucura!”l Lá se foi por esses montes,/
o homem de olhos espantados,/
a derramar esperanças/
por todos os lados./
Por aqui passava um homem.../
– e como o povo se ria! – /
No entanto, à sua passagem/
tudo era como alegria.



Já adivinharam sobre quem estou falando?


Eu sei que a Cecília
está falando sobre o Tiradentes.

Mas essa imagem só apareceu
atendendo ao chamado de uma outra.

E essa outra, quem é?

Aí me apareceu uma cena de um país distante.

Um homem magro, baixinho,
calvo, feio, sexagenário.

Ele caminha a pé, descalço,
numa viagem de 300 quilômetros a serem vencidos.

Poderia ter feito a viagem de trem.

Por razões só conhecidas do coração, preferiu ir a pé.

Não queria chegar logo.

O importante não era
o que todos pensavam
que ele iria fazer, ao chegar;
eram os sentimentos
e pensamentos
dos milhões que seguiam,
nos sonhos, enquanto ele ia...

Daqueles sentimentos e pensamentos
um povo iria nascer.

Seu nome: Mahatma Gandhi.

O governo inglês
havia proibido aos indianos
de produzir o seu próprio sal,
para obrigá-los a comprar
dos dominadores aquilo que o mar
oferecia como dádiva.

Como os magos,
o magro corpo solitário
seguia uma estrela que apontava para o mar.

E enquanto ele ia,
o povo dizia:

Que coragem! Que loucura! Conseguirá?


Até que chegou ao destino proibido,
e fez então o gesto fraco, prometido:
tomou, na concha das mãos,
um pouco de água do mar!

Ah! Como os políticos se riam!

Todo aquele suor e cansaço
por causa daquela agüinha com sal...

Olhavam para a água
que se escoava entre os dedos
e não viam o povo que nascia.

Não era o sal que importava.

Importava que os indianos encolhidos
ganhassem coragem para lutar.

E o povo inteiro tremeu, chorou,
e se descobriu bonito,
e ficou alegre, e virou guerreiro.

É preciso ter alegria para saber guerrear...


E a outra imagem,
aquela que chamou o poema da Cecília,
aquela que me fez lembrar
a longa caminhada para o mar?

E o rosto do Betinho... (**)

O que se diz é que ele
está a fim de dar comida a quem tem fome.

Muitos se riem, dizendo que isso
é tão impossível quanto
reformar o mundo
do alto da montaria,
tão inútil quanto tomar
a água do mar nas mãos...

Talvez seja.

Mas eu acho que o Betinho,
talvez sem saber e sem querer,
está mesmo é fazendo uma outra coisa.

Barriga vazia se resolve com arroz e feijão.

Mas logo as barrigas
ficam vazias de novo,
e as pessoas aparecem
na sua triste condição de pedintes miseráveis.

É preciso que não haja
famintos mendigando pão.

Para isso, é preciso
que sejamos um povo.

Mas a fome de um povo
não se mata com arroz e feijão.

Não só de pão viverão
os homens e as mulheres...

Um povo precisa comer beleza
pra querer viver.

Povo, para existir,
há de se sentir bonito.

Há de ter sonhos, dizia Santo Agostinho.

Há de marchar com a banda, dizia o Chico.

Há de seguir a canção, dizia o Vandré.

É isso que o povo pede de nós, dizia o poeta Tagore, uma canção...

O Betinho só fez apontar
numa outra direção
e mostrar que existe
muita coisa bonita em todo lugar,
escondida e silenciosa.

O Brasil não é essa
gororoba infernal de feiúra
que os políticos nos têm obrigado a comer.

Ele está cheio de pessoas modestas,
que trabalham duro,
que ganham pouco,
e a despeito disso são
generosas, honestas, verdadeiras.

Acho que essa é a coisa maior
que está acontecendo:

o Betinho nos tem ajudado
a sonhar de novo.

E com isso acontece o que importa mais:
renasce o povo.


Agora, uma palavra
de advertência ao Betinho.

Lembre-se do que aconteceu a Tiradentes e a Gandhi.

Os políticos não toleram beleza.

Basta que ela apareça,
para que eles se roam de inveja.

Especialmente você, que
publicamente fez uma declaração antipartidos:

Não aceito ser dirigido por outra pessoa.

Nem mesmo se a população brasileira toda
votar numa pessoa me sentirei obrigado a segui-la.

A maioria não faz verdades.

Com isso você se condenou.

Porque política é o jogo de boca de forno.

Quando as bases respondem:
Faremos todos, faremos todos, nasce um partido.

Mas você disse que não fará.

O provável é que você vá numa direção
e os partidos sigam em outra.

Mas não ligue não.
Os partidos irão sozinhos.

Acho que o povo está aprendendo
a seguir a canção...


Ruben Alves - 06/02/1994 - in Teologia do Cotidiano

(**) Herbert José de Sousa, conhecido como Betinho, (Bocaiúva, 3 de novembro de 1935 — 9 de agosto de 1997) foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiro. Concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Betinho nasceu no norte de Minas Gerais e, junto com seus dois irmãos - o cartunista Henfil e o músico Chico Mário, herdou da mãe a hemofilia, e desde a infância sofreu com outros problemas, como a tuberculose. "Eu nasci para o desastre, porém com sorte" - costumava dizer.

Foi criado em ambientes inusitados: a penitenciária e a funerária, onde o pai trabalhava. Mas sua formação teve grande influência dos padres dominicanos, com os quais travou contato na década de 1950. Integrou a JEC (Juventude Estudantil Católica), a JUC (Juventude Universitária Católica) e, em 1962, fundou a AP (Ação Popular), da qual foi o primeiro coordenador.

Em 1986 Betinho descobriu ter contraído o vírus da AIDS em uma das transfusões de sangue a que era obrigado a se submeter periodicamente devido à hemofilia. Em sua vida pública esse fato repercutiu na criação de movimentos de defesa dos direitos dos portadores do vírus. Junto com outros membros da sociedade civil, fundou e presidiu até a sua morte a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS. Dois dos seus irmãos, Henfil e Chico Mário, morreram em 1988 por conseqüência da mesma doença. Mesmo assim, não deixou de ser ativo até o final de sua vida, dizendo que a sua condição de soropositivo o forçava a "comemorar a vida todas as manhãs".[2]

Morreu em 1997, já bastante debilitado pela AIDS. Deixou dois filhos: Daniel, filho do seu primeiro casamento com Irles Carvalho, e Henrique, filho do segundo casamento com Maria Nakano, com quem viveu por 27 anos.

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e é isso moça bonita
como este nosso Brasil é bonito nénão?

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Lembra que vc respondeu este mail?
Vai lá :

"Por que não consigo guardar nos olhos as águas puras e emocionadas quando ouço, leio esses assuntos?...
Por que sinto sempre que deveria estar fazendo mais...
Sinto-me devendo ao mundo...
O quero-quero, símbolo daí, pia alto lá fora como que concordando comigo, ou... dizendo que estou errada... que deve rir como ele, porque ele está rindo e não gritando, rssssss....... rindo de mim... aquele bobo, rsss

Deixa prá lá o que tentava escrever, expressar...

Que bom poder recebê-lo novamente.
Por que você, mesmo se não gostasse de longas caminhadas e nunca tivesse pego o mar com a mão em concha, mesmo que não tivesse dificuldades nos processos de coagulação, nem doasse beleza e amor em pratos singelamente preparados, mesmo que seu Dragão símbolo não fosse de Minas Gerais, faz uma revolução em mim, sempre que vem assim...

LIZ
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há muito tempo atrás!

aNTONIocARLos
SE TEM bro!
2°°9